Dizia Ricardo Reis No Ciclo Eterno das Mudáveis Coisas, que “novo inverno após novo outono volve”. E cá estamos nós, passado quase um século, a repetir infindáveis ciclos, a aguardar a estação certa para fazer uma pausa na nossa viagem.
Porque é assim que a vida se constrói, a findar tempos que guardam memórias mais ou menos boas, a redescobrir emoções, a reclamar outros ventos, a proclamar novas aventuras, a conquistar mais outros tantos amores. E o desejo, mais escondido ou não, de que muita coisa ainda possa mudar. Se possível, para melhor.
Esquecemo-nos, no entanto, com alguma frequência que mudar para melhor depende mais do que fazemos para tal, do que pelos acasos da sorte ou do azar que nos visitam, nesta repetição infindável de ciclos a abrirem-se e a encerrarem-se na nossa caminhada em busca de um sentido.
E se um novo ciclo começa a não nos fazer sentido logo desde o início, talvez não fosse má ideia não adiar as pausas, que nos parecem justas, para tempos mais coloridos e aquecidos por um sol menos gelado, para darmos outro sentido aos dias.
Quem sabe, colher novos frutos em futuras estações, implique exatamente não estar à espera delas para nos perdermos num festival de cores e emoções passageiras. Mas sim recolhermo-nos exatamente quando isso nos faça mais sentido, que é o mesmo que dizer, sempre que precisamos de nós.
Nos seus Sonetos, Bingre, companheiro e amigo de jornadas literárias do nosso Bocage, mostrava aquele cenário que me parece comum a tantos de nós, quando confessava que, “Nesta quadra da fúnebre tristeza/ Que alegria terei na sombra escura/ Se enlutada se vê a Natureza?”.
Contesto o poeta ao dizer que, para mim, o despertar de sentimentos felizes é apenas a questão dos detalhes onde nos demoramos. A natureza, a vida em geral, não deixa de nos oferecer a sua sabedoria só porque é inverno.
Acredito que o inverno tem esse dom da transparência quando nele sentimos não apenas o frio que provoca o acordar do corpo, mas também a pureza da textura do tempo.
As paisagens reveladoras de uma diferente poesia convidativa da introspeção. Enquanto aguardamos novos sinais de fertilidade, respiramos o aroma da madeira, das folhas secas e da terra molhada.
Somos levados a procurar mais momentos de conforto com quem gostamos e a estação obriga a alguns justos e ansiados mimos, no aproveitar de uma lareira aquecida, de um chá quente, no agradável aroma e sabor de um bom e caseiro bolo de canela.
Neste recolhimento, que também pode ser redescoberta se assim o entendermos, percebemos que a primavera que nos aconchega agora os instantes, é a presença daqueles que amamos, na partilha de um diferente sentir e de um diferente sorrir na neve dos dias.
Já dizia Victor Hugo que “a gargalhada é o sol que varre o inverno do rosto humano”. E acrescentou Milan Kundera que, afinal, “rir é viver profundamente”.
Aproveitemos pois, com inteligência, a beleza singular dos invernos para confirmar ao coração que o que nos pode fazer bem, não tem limites.