Não me lembro dos natais no Alentejo. Primeiro, porque apenas aqui vivi em permanência até aos dois anos, e se tenho muitas recordações, poucas são as memórias desse tempo. Segundo, porque depois disso, se todos os anos regressámos, era sobretudo no Verão por ocasião das férias do meu pai, e eventualmente no Carnaval ou na Páscoa. Assim, tenho a recordação dos cantares do meu avô à lareira, por ouvir contar, mas não a memória. Contudo, ainda que eu viesse muito cedo, autonomamente, a encontrar a minha própria forma de Natal que ainda hoje me comove e acompanha, falta-me o Alentejo, cuja recordação não me é suficiente. Tenho uma enorme saudade do que não lembro.
O Natal é uma forma de saudade e de lembrança do que não podemos lembrar, porque não estivemos lá. Todos os anos reconstituímos algo que não vimos e que, no entanto, vive enquanto imagem na nossa imaginação, assim como eu tenho dentro de mim a imagem visual e auditiva do meu avô à lareira. E a saudade. Passo onze meses e mais alguns dias do ano com saudades de Dezembro, porque no dia 25 já elas começam a assaltar-me. O Natal é um arquétipo contendo muitos arquétipos dentro de si. Ora os arquétipos não morrem, mas custa-me ter de os embrulhar em folhas de jornal e encerrar dentro de uma caixa. Evidentemente, o arquétipo não está lá dentro, apenas a sua representação, pois não tem lugar nem tempo, por isso pode permanecer dentro de mim e assim acontece, mas a criança que ainda sou, e que espero permanecer, sente falta do barro das figuras, das músicas tradicionais e eruditas evocativas do teatro simbólico representado na gruta, e sobretudo sente saudade da recordação, e sente saudade da saudade da memória. É algo com que tenho de alegremente viver durante onze meses e mais uns dias, que depois os Reis ou Magos, consoante cada um preferir, me vêm compensar, com bolo em forma de coroa e romãs coroadas, no dia seis de Janeiro.
Até Janeiro me despeço, leitor e amigos, com votos, que reitero, de um Natal aconchegante, solidário, consciente e projectado no futuro a partir do passado, essa criação da saudade. Em forma de azevia, Menino Jesus ou cante da nossa terra.