Li no outro dia, num autor francês, que o mais belo que existe em Salamanca é… Salamanca. Tem razão. Gosto de toda a Espanha, mas posso, apenas para exemplificar, dizer o que de Madrid, ou Badajoz, ou Granada, ou Sevilha mais me agrada. Mas de Salamanca é difícil destacar. Recordo-me da Catedral, da Universidade, de conventos, praças, mas de tudo ficou-me, acima de tudo, uma cor, uma amplidão e uma temperatura. Senti-as a partir da Plaza Mayor, mas estende-se a toda a cidade. Tão forte foi a sensação, que a senti como se todo o Alentejo se concentrasse ali naquela praça e a praça não era apenas ela mesma, mas a cidade inteira e a cidade inteira toda a Espanha e a Espanha toda a planície Alentejana. Assim, neste sinuoso percurso emocional que eu própria não entendo muito bem, tal como a «Ocidental praia Lusitana» representa o Portugal Peninsular, num processo de sinédoque em que a parte representa o todo, também a Plaza Mayor representa o Alentejo, num estranhíssimo processo que não é bem sinédoque, nem sei ainda o que seja. Mas tenho esperança de um dia vir a compreender.

Certo, certo, foi o forte sentimento. A ponto de fazer acontecer em Salamanca, mais concretamente na sua Sé, o final de um dos meus primeiros livros, A Compreensão da Lua, de 1999 e esgotado: «o reaparecimento de algumas das antigas figuras de pedra nos nichos da Sé […] de onde, em anos sucessivos, sucessivas pilhagens foram retirando os ícones.»
Neste final de ficção restituí os ícones aos nichos da Sé de Salamanca. Mais difícil é voltar a pôr nas casas do Alentejo onde a minha alma começou a formar-se, aqueles que já partiram, desaparecidos na paisagem misteriosa da planície como uma enorme Plaza Mayor, sem limites e onde a pedra foi substituída, integralmente pelo espaço vazio, vibrante e escaldante. Como um colo no infinito.